A história de Anastácia é acompanhada pelas mazelas e descasos cometidos pelo período escravocrata, a ausência de documentos que atestem a sua passagem pelas terras brasileiras ou até mesmo que registre sua vida e seus feitos durante o século XVIII, dificultam que ela seja conhecida. Entretanto existe uma produção imaterial, cercada pela lenda e pela narrativa oral, constituindo parte significativa da cultura popular.
A invasão dos colonizadores europeus no Brasil data de 1500, tendo como uma proposta cobiçada e frutífera para os homens brancos a instauração em solo brasileiro do sistema escravocrata como uma maneira de potencializar a economia e de arrecadar dinheiro e poder.
Foi numa dessas atrocidades que em 9 de abril de 1740 , atracou no porto do Rio de Janeiro o navio negreiro de nome “ Madalena”, onde aproximadamente 112 pessoas negras estavam em condições insalubres, sequestradas em África e trazidas para o Brasil para serem escravizadas, desumanizadas em todo esse processo.
Entre eles estava Delminda uma mulher negra e muito jovem que foi comprada no cais do porto por uma quantia consideravelmente alta na época, pelo torturador, o senhor de engenho que ficou encantado por ela. Violentada pelo homem branco, o fruto desse estupro foi a Anastácia, que assim como a sua mãe era audaciosa e colaborou com inúmeras fugas dos escravizados, conhecida por reagir às opressões dos algozes.
Sua beleza era palco para vários olhares, ao mesmo tempo em que cativava o desejo dos escravagistas, o seu comportamento e atitudes eram vistas como rebeldes, provocando a fúria dos homens brancos juntamente com a inveja de suas esposas, que tinham medo que seus maridos se apaixonasse por Anastácia.
Em uma tentativa de reagir a inúmeras investidas e violências sexuais por parte do feitor , ela foi sentenciada a utilizar a máscara de flandres, uma mordaça de ferro por toda a sua vida, retirada somente quando iria se alimentar. Essa ferramenta de tortura pode ser considerada como um símbolo concreto da política de silenciamento da população negra, que perpassa todas as esferas sociais e na época era uma punição que os escravocratas recorriam para impedir que os negros ingerissem bebidas alcoólicas, alimentos e praticassem geofagia, prática de engolir os minerais, como pepitas de ouro.
Para além de inspirar e incentivar outros negros escravizados a resistir às duras opressões e sessões de tortura, a faceta de sua personalidade é marcada pelo seu dom milagroso de cura, chegando até ser requisitada pelos senhores da casa grande para curar seu filho, o homem que a violentou.
Anastácia é cultuada em algumas religiões afrobrasileiras como uma santa, seus devotos têm a crença de que ela opera milagres, curando os males do corpo e da alma. Muito adoecida ela foi levada para o Rio de Janeiro, vindo a óbito. Seu cadáver foi sepultado na Igreja do Rosário, onde ocorreu um incêndio responsável por destruir quaisquer evidência documental que poderia conter mais informações sobre essa personalidade negra.
Em 1968 na igreja do Rosário, no Rio de Janeiro, a comunidade identificou Anastácia na gravura de Étienne Victor Arago, retratando uma mulher negra escravizada do século XVIII usando a máscara de ferro.
Prece para Anastácia
“Vemos que algum algoz fez da tua vida um martírio, violentou tiranicamente a tua mocidade, vemos também no teu semblante macio, no teu rosto suave, tranquilo a paz que os sofrimentos não conseguiram perturbar. Isso quer dizer, eras pura, superior tanto assim que Deus levou-te para as planuras do Céu e deu-te o poder de fazer curas, graças e milagres mil. Anastácia pedimos-te (pedir o que se deseja) roga por nós, proteja-nos, envolva-no no teu manto de graças e com o teu olhar bondoso, firme, penetrante, afasta de nós os males e os maldizentes do mundo”.
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Noemy Ariane Tomas
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Noemy Tomas, militante negra, cientista social em formação pela PUC Campinas.
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