sáb. dez 21st, 2024
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Crônicas do Coração – por Airton Pereira Junior

Já tem alguns meses que venho participando de um grupo que discute Masculinidades Pretas. Demos ao grupo o nome carinhoso de “Adoráveis”. Um dos integrantes faz questão de se referir a todos como adoráveis e o nome pegou.

Vou almoçar, fiz meu prato, varios pensamentos, e quando vi me pego chorando. Minha mãe vem e pergunta  o que está acontecendo, aí conto para ela quantos pensamentos vem à cabeça, nessa Pandemia.  Quando você está consigo mesmo,  são reflexões profundas, principalmente quando essas reflexões falam de suas atitudes como homem. 

Conto a ela das violências sofridas, das violências cometidas, do quanto é doloroso reconhecer que aqueles “heróis” que você tinha na infância, na verdade, eram homens que te passaram algumas experiências violentas que em nada te ajudaram em seu crescimento. Óbvio que essa mesma violência que cometeram, em algum momento de suas vidas, foram vivenciadas por eles e com isso reproduzidas.  

Conto das vezes que eu e ela (minha mãe) discutimos, e que por muitas vezes repeti as mesmas violências psicológicas apreendidas, dentro e fora de casa, e que isso também se estendia,  em relacionamentos afetivos, relacionamentos trabalhistas e até com amigas. 

Lembro de uma vez, quando estava no clube, eu era criança, um menino me deu um soco na boca do estômago, comecei a chorar, fui até meu pai, na esperança de ser acolhido. Quando meu pai perguntou o que estava acontecendo, expliquei o motivo do choro, foi então que ele puxou minha orelha, disse que era para engolir o choro e que, caso isso se repetisse, eu iria apanhar, novamente. 

Imaginem vocês, depois de sofrer uma violência ter um acolhimento como este? Imagine que para eu me proteger e esta situação não se repetir, eu poderia pegar uma faca, uma pedra ou até uma arma, para não chegar chorando novamente.

Nós homens, principalmente os Negros, somos educados para sempre fazermos o dobro, sempre correr mais, nossos mais velhos sempre nos passaram isso. Óbvio com a intenção de conseguirmos alcançar nossos objetivos, mas sempre para sermos mais “fortes”, sem depender de ninguém.

Somos educados para “engolir o choro”, para não mostrarmos nossas fraquezas, para sempre impor nossas vontades. Nossas vontades… E a vontade da outra pessoa? O quanto pode ser violento não atender a vontade da outra pessoa? Quando as mulheres dizem que não é não, muitas vezes não são respeitadas, justamente porque ser homem, em uma sociedade machista como a nossa, é em alguma medida, impor nossas vontades até o último instante, e isso acaba gerando casos de violências psicológicas, físicas ou até a morte de muitas mulheres.

Voltando ao choro, senti-me aliviado após o acolhimento da minha mais velha, minha mãe, uma matriarca que disse do seu jeito: – “Sempre esperei isso de você”. Acredito que estou no caminho certo para desconstrução, sei que para o resto da vida terei que lidar com isso, essas coisas aprendidas com esse machismo estrutural que tanto arrebenta, com mulheres, crianças e adolescentes. 

Meninos devem aprender que podem chorar, meninos devem aprender o que é sexismo na escola, como pontua bem Bell Hooks em seu livro “O feminismo é para todo mundo – políticas arrebatadoras”, que possamos ser mais ADORÁVEIS com as pessoas, que possamos ser mais ADORÁVEIS com nossas companheiras/companheiros, que os homens não tenham vergonha de pedir ajuda, de chorar… 

Sei que aprendemos isso, mas nunca é tarde para revermos nossos monstros interiores criados pelo machismo e o sexismo.

Paz a todos.

 

Airton Pereira Junior
É Conselheiro Tutelar em Campinas – SP, é Mestrando na Faculdade de Educação da Unicamp e faz parte do Grupo Adoráveis – Masculinidades Pretas.

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Eddie Junior

Radialista à 20 anos na Região Metropolitana de Campinas , Jornalista
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