Nossa colunista Andreia Souza traz uma abordagem diferente para o 20 de Novembro
A Batatinha frita faltou mas 1, 2, 3 , perdi a conta dos Rounds que já disputei… Quando penso que nada vai me surpreender, eu que luto, para piorar não tem corta, é vida real além da ficção. Cresci com o estigma de ser uma preta em uma sociedade que me embranqueceu Na infância eu era constantemente ‘café com leite’ título que servia para brincar como coadjuvante, mera figurante. Não morria na queimada, não era eliminada no pega-pega. Ficava continuamente correndo e levando boladas, tipo looping. Refletindo hoje, que bizarro … Mas quando vivi tudo isso, me parecia normal. Cresci alienada mas feliz, numa vida emprestada, fazendo de tudo para ser aceita e ao máximo parecida com a realidade branca que me cercava.
Enfim cresci, tornei-me Preta, aceitei e emancipei. Com orgulho na atualidade ao me descrever após o nome já digo: Preta. Qual não foi a minha surpresa, quando uma pessoa reagiu espantada ao ouvir minha auto descrição. A autoridade me declarou no máximo “parda”. Uma sensação de desconforto e um não pertencimento me atingiu por alguns minutos.
Mas aí então me veio a reflexão. Quem definiu que para ser preto tem que ser retinto? Vou retroceder e permitir que terceiros definem quem eu sou ? Respirei fundo , mas resisti ao impulso de ser grosseira. Comecei a “esclarecer “, de forma branda vamos relatando o nosso lado da nossa história. Explicando que o tom de pele ‘ pardo ‘ não foi proposital ou espontâneo, surgiu em decorrência das inúmeras pretas violadas desde o Brasil Colônia , trazendo ao mundo crianças de pele clara mas de alma cativa. Desbotados, desnutridos, abandonados e esquecidos. Fosse qual fosse seu gênero, todos vinham da mesma fonte e teriam a mesma sina . Crianças bastardas que não pertenciam a Casagrande , cútis clara o suficiente para deformar suas raízes porém escura o bastante para viver na senzala refém e impotente a mercê de um ciclo incessante de dor e raiva .
E assim crescemos, julgava eu que em pleno século XXI , haveria evolução , só que não … Apesar dos debates e protestos, a vilania não retrocede. É latente, invasiva e algumas vezes insiste em se camuflar. O racismo vira mal entendido puro erro de interpretação, vulgo mimimi . Vidas pretas importam, eu vi na televisão. Vi também um homem ser sufocado, outro ter seu pescoço pisoteado.Vi uma mulher com uma criança no colo ser imobilizada por dois homens com truculência Ser chamado de macaco já faz parte do currículo, somado as qualidades : preguiçoso, agressivo, mal cheiroso, errar já está garantido , sempre dizem que: se preto não c@ga na entrada com certeza faz na saída. Só que o temor inicial que antes nos fazia definhar , cessou. Chega de Banzo. Somos herdeiros dos Males, descendentes de Zumbi, crias de Dandara e netos de Aqualtune. Somos pretos, mas não pertencemos à senzala.
Não tente nos diminuir usando cotas, não tente me taxar por sua visão turva sobre minorias. Digo tudo que digo com orgulho, para reafirmar minha ancestralidade. Não tente clarear minhas ideias. Me poupe do vídeo do Morgan Freeman, nos poupa do vexame de citar Racismo Reverso . Caso você insista em listar alguns irmãos que incorporaram o Avatar de Capitão do Mato defendendo com fervor seus algozes, isso já foi diagnosticado e classificado na atualidade : Síndrome de Estocolmo. Aproveite e cancele o elogio padrão que nos intitula pretos de alma branca, e muito menos sou da cor dos teus pecados, minha cor não é compatível aos teus atos vis, me exclua, carregue contigo teu próprio delito. Não embranquece minha essência. Se para você denegrir piora, para mim embranquecer dilui. Não nos subestime, sabemos exatamente a diferença entre seu pré conceito e um mau entendido. E antes que eu me esqueça, o jogo virou , injúria racial tornou-se crime imprescritível. Finalmente temos um minuto de paz, vocês que lutem..